Projeto Ler+Mar - "Do outro lado do oceano..."

      


                                                                                                                Nordeste, 14 de março de 2016

Queridos amigos da turma do 5.º B
da EB de Campo de Besteiros,

            Desculpem pela demora em respondermos à vossa carta. Este período, temos estado muito atarefados na realização de diversas atividades, nomeadamente na elaboração do filme "A Lenda das Sete Cidades" (na aplicação PowerPoint); na preparação de trabalhos para a receção da autora Elisabete Jacinto e do escritor e ilustrador Pedro Seromenho; na participação em concursos: "Palavras com História", promovido pela Rede Regional de Bibliotecas Escolares dos Açores, e "Leitura do I capítulo O Estranhão, de Álvaro Magalhães, da Porto Editora.
            Na disciplina de Português, procedemos, também, à leitura dramatizada e exploração da obra O Príncipe Nabo, de Ilse Losa, com a qual aprendemos que não devemos julgar os outros pela sua aparência, mas sim respeitá-los, e contactámos, pela primeira vez, com vocabulário francês ("ridicule", "bonne nuit", "au revoir", "madame", "monsieur", "oui"), tendo a nossa professora nos ensinado a pronunciá-lo corretamente.
            No Clube de Leitura "Palavras Vivas", lemos e analisámos vários livros: História de uma gaivota e de um gato que a ensinou a voar, de Luís Sepúlveda; O Limpa-palavras e outros poemas, de Álvaro Magalhães; O Pássaro da Cabeça e mais versos para crianças, de Manuel António Pina, e o Primeiro Livro de Poesia, de Sophia de Mello Breyner Andresen. Numa destas sessões, recebemos a visita do Rodrigo Furtado e do Sérgio Pimentel, que nos presentearam com a interpretação de alguns temas musicais e que nos encantaram.
            E vocês, o que têm feito? Leram muitos livros? Participaram em alguma atividade? Obtiveram bons resultados nas fichas de avaliação?
            Despedimo-nos, desejando-vos uma Feliz Páscoa, recheada de muitas guloseimas e de maravilhosos momentos na companhia dos vossos familiares e amigos.
           
                                                                                                                            Turma do 5.º B

             P.S. Para que conheçam melhor a nossa cultura/ tradições, enviamos-vos três lendas de São Miguel, sendo que duas delas são do Nordeste, e um texto informativo sobre os Romeiros da Quaresma, manifestação da profunda religiosidade do povo micaelense, com mais de quinhentos anos de existência.














Lendas do Nordeste - S. Miguel-Açores

 "A Ermida de Nossa Senhora do Pranto"


      Estava-se no ano de mil quinhentos e vinte três, numa segunda-feira e um rapaz andava a guardar as vacas no sítio da Lazeira, na freguesia de S. Pedro do Nordestinho, nuns terrenos muitos próximos do mar. De repente, uma visão deslumbrante deparou-se perante os seus olhos. Era Nossa Senhora que lhe aparecia, vestida de branco, entre fina cortina de névoa, pairando dois ou três palmos acima do chão. Logo o pastor se ajoelhou e adorou a Virgem, enquanto uma voz lhe disse:
          — Vai à Vila e convida todos os que encontrares a virem quarta-feira a este local, onde se reunirão sete cruzes. Se no caminho te aparecer uma bicha de boca aberta, não temas, pois é o símbolo da peste que acometerá Ponta Delgada e se espalhará por toda a ilha. Nesse dia, quando aqui estiver muita gente e rebentar uma trovoada, cavem a terra e espalhem-na por cima das pessoas e não tenham medo. Quero também que neste local levantem uma ermida a Nossa Senhora do Pranto e, se tudo isto fizerem, não terão nem a peste nem os tremores de terra, pois eu intercederei por vós junto do meu filho. 
        Dito isto, desfez-se a visão e o pastor correu para a Vila a anunciar o que lhe tinha acontecido.  As pessoas acreditaram no rapaz e, na quarta-feira, sete cruzes ou romarias, vindas do Nordestinho, Nordeste, Maia, Fenais, Povoação, Achadinha e Achada Grande, ali se juntaram. A Senhora cumpriu as suas promessas e os populares começaram a construir a ermida. 
            Para ser mais fácil o acesso, decidiram construi-la à beira do caminho e no local juntaram pedras e outros materiais. Mas, para pasmo de todos, certa manhã apareceram no pasto onde Nossa Senhora tinha aparecido, não longe do mar. Os operários trouxeram-nos para a beira do caminho, mas no dia seguinte já estavam outra vez no lugar indicado por Nossa Senhora.
            Uma dessas noites, as pessoas, desconfiadas, vieram vigiar e viram que Nossa Senhora com uma caninha deitava a pedra a rolar para baixo. Não tiveram mais dúvidas: A Senhora do Pranto queria a sua ermida junto ao mar, longe das casas, para que as promessas das pessoas exigissem sacrifício e assim tivessem mais valor. Ali se começaram a construir as paredes. 
 O trabalho era demorado porque não havia água doce por perto e Catarina, uma velhinha fraca, mas crente, prometeu acartar a água do povoado. Assim o fez, até ao dia em que sentiu que as forças a abandonavam. Ajoelhando perto das paredes da ermida, pediu à Senhora vida para ver a obra terminada. 
         Perante o pasmo dos mestres, brotou da parede da ermida, próximo do chão, água em abundância e dali jorrou até findar a construção. Mais tarde a água deixou de correr naquele lugar e foi brotar na rocha. Lá está a correr mansamente, agora resguardada por uma gruta construída por camponeses. A umas centenas de metros, no pocinho de onde a ermitoa acartava a água, numa das pedras, vê-se a marca do pé pequenino de Nossa Senhora, que ali pousou ao ir matar a sede. 
          A santa velhinha ainda viveu durante anos como ermitoa, guardando o templo em cujo chão se enterrou. Os milagres operados pela Senhora do Pranto têm sido muitos. Pessoas houve que ouviram cantar os anjos docemente na ermida. 
          Nos sete domingos da Quaresma, ainda hoje, muitas pessoas acorrem à ermida para pagar as suas promessas à Senhora do Pranto.

Fonte Bibliográfica: FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999, p. 97-98




"A Ribeira do Guilherme e a Ilha Encantada" 


           Há muitos anos atrás, lá para as bandas do Nordeste, mesmo em frente à Ribeira do Guilherme, existia uma ilha admirável, fértil e rica, constantemente aquecida por um sol de primavera e onde os ventos eram só suave brisa. Os seus habitantes viviam em palácios dourados e entre todos reinava uma constante ventura. Nesta ilha governava uma formosa princesa, que era o orgulho dos seus súbditos. A pele alvíssima, os cabelos de ouro, os olhos mais azuis que o mar e uma bondade natural faziam da princesa um ser admirável. Embora fosse requestada por grandes senhores e poderosos reis, a jovem rejeitava com humildade todos os pedidos de casamento.
            Certo dia, aportou à ilha uma embarcação com mensageiros de um riquíssimo monarca que, ao serem recebidos pela princesa, logo declararam a sua missão: pedir-lhe a mão para o seu amo e senhor. Engendraram belos discursos e fizeram promessas maravilhosas, mas não conseguiram demover a princesa do propósito de se manter solteira. Desiludidos, voltaram para a sua distante terra e, depois de uma longa viagem, apresentaram-se perante o rei, que os esperava ansioso e seguro de que em breve casaria com a desejada princesa. Quando ouviu pela boca dos emissários a resposta negativa e humilhante, ficou aturdido e furioso. 
            Sabendo que na última província do seu reino vivia uma fada de fatídicos poderes, mandou-a chamar imediatamente e transmitiu-lhe o seu desejo: queria que a ilha verdejante da princesa, com todos os monumentos, tesouros e habitantes fosse submergida. 
 A fada, tomando a vara de condão e pronunciando algumas palavras, fez imediatamente a ilha afundar-se no mar em frente à Ribeira do Guilherme, que assim ficou encantada para sempre. 
             Mas de sete em sete anos, na noite de S. João, a ilha aparece, toda branca, entre densas neblinas, pronta a ser desencantada por um sacerdote que vista as vestes sacrificatórias. Estas circunstâncias têm sido tão difíceis de reunir que a ilha continua encantada.  
             Uma vez, um navio carregado de trigo foi desviado por força misteriosa e, emergindo das águas, um cavaleiro de elmo reluzente exigiu que o capitão lhe cedesse todo o cereal por preço compensador. O trigo foi descarregado e o cavaleiro desapareceu, satisfeito porque o trigo iria abastecer a população da ilha encantada. 
           Nas noites de inverno, quando o mar bravo fustiga os rochedos da costa e entra pela Ribeira do Guilherme, ainda se ouve a bela princesa queixar-se, desolada com o seu destino.

Fonte Bibliográfica: FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999, p.100





Tradição de São Miguel

Os Romeiros da Quaresma 




            Na quarta-feira de cinzas, dá-se início à Quaresma. Durante as cinco semanas que se seguem, é comum ver nas estradas de São Miguel grupos de homens, caminhando e rezando em voz alta. Estes peregrinos, a que se dá o nome de Romeiros, saem às ruas da ilha todos os anos para reafirmarem a sua fé e agradecerem a Deus as graças concedidas. A tradição terá surgido em 1522, quando a primeira capital de São Miguel, Vila Franca do Campo, foi sacudida por um forte tremor de terra. Seguiu-se uma erupção vulcânica em que dos 4.500 habitantes só sobreviveram 500. Quarenta anos mais tarde, outro vulcão surgiu no local onde se situa a Lagoa do Fogo.
        Desde então, há registo de que todos os anos grupos de homens caminham orando à volta da ilha, cumprindo promessas.
       Durante uma semana, estes homens carregam consigo apenas um saco com o essencial e vão pernoitando em igrejas, escolas ou casas de pessoas que se oferecem para receber os Romeiros. Por vezes, as casas de folha (palha) são suficientes para passar a noite. Na casa em que são acolhidos é hábito lavarem-lhe os pés doridos.
            O “procurador das almas” é quem fica para trás do cortejo, para receber os pedidos de quem passa por eles na estrada. Os “irmãos” rezam, sendo o “mestre” quem sabe quais as orações apropriadas. O “contramestre” segue a meio do cortejo, na companhia do “lembrador das almas”, enquanto à frente os guias marcam o compasso, dão o ritmo de modo a facilitar a caminhada e a torná-la mais agradável a todos. Os irmãos mais pequenos caminham à frente e levam a cruz.
       Trazem todos na mão o bordão de madeira e trajam hábitos tradicionais, carregados de simbolismo. Antigamente, andavam descalços. Atualmente, utilizam calçado mais confortável. O bordão é feito em pinho, à medida de cada irmão, o do mestre destaca-se dos restantes por possuir uma cruz na extremidade. O xaile representa o manto com que cobriram Jesus; o lenço representa a coroa de espinhos; a saca que transportam às costas representa a cruz e o terço é dedicado à Virgem Maria.
        Quando regressam à paróquia, as irmandades despedem-se na chamada “despedida da salvação”, uma festa em que participam todos os habitantes da freguesia.
           Passados oito longos dias de caminhada e fé, de companheirismo e oração, fecha-se o percurso em círculo no sentido dos ponteiros do relógio, como se uma viagem de eterno retorno se tratasse, uma volta à ilha, uma volta ao mundo.
                                

                               Texto adaptado




Saber Mais:
            Consulta o site dos Romeiros de São Pedro e Santo António Nordestinho (fotos e vídeos dos romeiros, bem como outras informações relativas a esta romaria):  http://romeirosspsa.webnode.pt/






     O Projeto Ler+Mar que pretendemos desenvolver implica a execução de algumas atividades de articulação com os alunos do 5º ano de escolaridade, turma B, da Escola Básica de Campo de Besteiros, integrada no Agrupamento de Escolas de Tondela Tomaz Ribeiro, Tondela, e turma B, da Escola Básica e Secundária do Nordeste. Será para nós um privilégio podermos efetuar atividades conjuntas com alunos e professores dessa localidade, tendo por base o trabalho realizado pelas Bibliotecas Escolares das duas escolas.
     Temos previsto a realização de videoconferências e troca de correspondência que abordem a análise de obras literárias estudadas pelos alunos das duas escolas. Pretende-se que os alunos, à distância de um clique, possam ler partes das obras estudadas e trocar opiniões sobre personagens, contextos e estilo literário dos autores, bem como de temas relacionados com a vida escolar.
   Será, também, interessante que os alunos de cada escola permitam dar a conhecer aspetos da localidade onde vivem, nomeadamente no campo cultural, desportivo, gastronómico, social, entre outros.   Por fim, a divulgação de escritores/poetas, artistas, músicos, entre outros, de cada localidade, será, igualmente, um objetivo importante.



Carta dirigida aos alunos da turma 5.º B, da Escola Básica de Campo de Besteiros



Nordeste, 10 de dezembro de 2015

Caros amigos da turma do 5.º B
da EB de Campo de Besteiros,



     Somos a turma do 5.ºB da EBS do Nordeste, constituída por dezoito alunos, quinze rapazes e três raparigas.
    Todos nós residimos no concelho do Nordeste, que é composto por nove freguesias muito rurais: Lomba da Fazenda, São Pedro, Santo António, Algarvia, Santana, Achada, Achadinha, Salga e Vila de Nordeste.
    Sentimo-nos privilegiados por viver no "concelho mais florido do país"  e  por desfrutarmos de maravilhosas paisagens, as quais gostaríamos que conhecessem, pelo que vos enviamos imagens  para se deliciarem a observá-las.
     Adorámos a carta que nos enviaram, bem como as fotografias da vossa turma, e dos trabalhos que realizaram, da Escola e da Biblioteca.
    Até ao momento, nunca tínhamos ouvido falar da região de Campo de Besteiros (Tondela), mas fica a promessa de que iremos pesquisar informações sobre essa localidade e tornar-nos-emos "uns especialistas" da vossa cultura/ tradições.
     Concluímos, desejando-vos um excelente Natal e um Próspero Ano 2016.


                                               Aguardamos, ansiosamente, por novidades vossas.
                                                                                  Turma do 5.º B










Poemas sobre os Açores

Convite

É sempre um prazer
vir ao Nordeste.
Subir o Pico da Vara,
Pelas bandas da Algarvia.
É um encanto, uma magia,
Soltar a alma voando,
naquele verde de alabastro,
Encher os olhos de espanto
E deixá-los ruminando
A fartura daquele pasto.
Ver a ilha assim vestida,
Para uma noite de baile,
Com diamantes de orvalho,
No verde cedro do xaile,
Saia longa, bem redonda
Do pregueado da serra,
Corpete de suave veludo
Do musgo que veste a terra,
Carruagem de princesa
Com fofo estofo macio.
O príncipe é o mar,
Que nos leva a navegar
A bordo da ilha navio.
Procuro, então, os meus olhos,
Já não sei onde os pus,
Se no pregueado dos montes,
Se no sombreado da luz,
Se nos vales, se nas fontes,
Se nas nuvens caminhando.


                              
 Maria da Conceição Maciel Amaral, O Silêncio das Margens.




O Paço do Milhafre

À beira da água fiz erguer meu Paço
Da Rei-Saudade das distantes milhas:
Meus olhos, minha boca eram as ilhas;
Pranto e cantiga andavam no sargaço.

Atlântico, encontrei no meu regaço
Algas, corais, estranhas maravilhas!
Fiz das gaivotas minhas próprias filhas,
Tive pulmões nas fibras do mormaço.

Enchi infusas nas salgadas ondas
E oleiro fui que as lágrimas redondas
Por fora fiz de vidro e, dentro, de água.

Os vagalhões da noite me salvavam
E, com partes iguais de sal e mágoa,
Minhas altas janelas se lavavam.
 


 Vitorino Nemésio , O Bicho Harmonioso.




Mãe Ilha

Foi isto outrora na ilha das fadas
Embrumada em hortênsias. Não sonhei.
Sobre as lagoas de águas encantadas
Dormiam os fetos e não havia lei.

As vacas, nas colinas esfumadas
Ruminavam o eterno. Ali folguei
Na festa das crianças coroadas.
Reinava o Amor e não havia Rei.

Dentro da música a casa repousava.
Minha mãe docemente penteava
Os meus cabelos e caíam pérolas.

Rumores longínquos da infância oclusa,
Que num desvão da alma ainda debruça
Uma varanda sobre um mar de auréolas.



Natália Correia, Sonetos românticos.